O orfanato é uma faceta para acolher uma criança em
condição de risco social (abandonada, maltratada ou com alguns dos seus
direitos violados). O orfanato é um abrigo provisório, onde poderá permanecer
por prazo incerto ou por apenas um dia até que seu problema seja resolvido ou
pelo menos amenizado.
O trabalho que é realizado no orfanato tem como objetivo
apresentar às crianças que precisam de um espaço seguro até os problemas
familiares serem resolvidos ou suavizados. Se isso não ocorrer à criança é
levada para programas de inclusão em uma família substituta (adoção). Os
orfanatos não expõem placas e as atividades diárias pretendem se igualar as das
famílias comuns.
Não devemos questionar o surgimento de orfanatos. Existem
condições extremas que podem justificar a separação das crianças de seus pais
biológicos. A separação é um fato da vida e o abrigamento também.
Mas o que podemos dizer das crianças que foram postas à
vista a um alto grau de violência em suas famílias originais e quando foram
afastadas destas, sendo inseridas em um ambiente complexo como o do orfanato?
Como irão desenvolver seus conceitos morais? Que sequelas terão da exposição a
esses arquétipos sobre sua moral e a urgência do sentimento de culpa? Será que
existem diferenças entre estes grupos que foram expostas a modelos de
moralidade diferenciados?
O OLHAR SIMBÓLICO
SOBRE O ORFANATO
O orfanato oferta um ambiente psicossocial determinado por
uma estrutura de relações diretas estabelecidas entre as crianças e os
funcionários responsáveis por cuidar deles, e ainda, os valores que são transmitidos,
envolvendo esperança, normas, proibições e incentivos, ao decorrer de todo dia
se tornando uma monotonia, o que não oferece a criação de novos laços afetivos
e qualitativamente importantes. Isso acontece por que a criança vive em um
ambiente coletivizado, onde: as tarefas são executadas com um acompanhamento
direto de um grande grupo de pessoas, todas recebem o mesmo tratamento e
realizam as mesmas tarefas em conjunto. Para cada tipo de tarefa, os horários
são pré-estabelecidos e determinados pelos funcionários.
O orfanato pretende proporcionar as crianças em situação
de risco condições adequadas para o seu desenvolvimento através de uma família desestabilizada.
A questão que perpetua é quanto à convivência em um orfanato de condição emocional
tão carente ou tão enérgico se comparado à família biológica, influencia rumo
ao desenvolvimento da criança que esta inserido nesta instituição. É possível encontrar
força e espaço para realizar a caminhada do desenvolvimento sem perecer frente
às perdas, ao desamor, ao abandono e ao massacrador ambiente da instituição?
Mesmo crescendo em um ambiente de calamidade, seja em uma família ou em um
abrigo, é possível construir uma infância saudável?
Podemos afirmar que a constituição do orfanato resulta em
um abandono anterior. Se não existisse este abandono de crianças não existiriam
os orfanatos, abrigos, casas lares e educandários.
ARQUÉTIPO DO ÓRFÃO E
DO ABANDONO
Para Jung (1986) “Arquétipo significa a forma imaterial à
qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar.” O próprio autor usou o termo
para se referir aos modelos inatos que servem de matriz para o desenvolvimento
da psique.
Todos nós precisamos viver o abandono inicial para
deixarmos a nossa primeira infância para podermos caminhar em direção à independência.
Conforme a criança vai caminhando, irá deixar para traz a sua infância até
chegar a um ponto onde precisará se abandonar para dar origem ao jovem. Nas
fases do homem, um vive o abandono e outro o abandonar. (JUNG, 2000).
A criança é uma alma que luta para se manter equilibrada
dentro do orfanato. Assim como existem várias perdas, existem também novas
possibilidades de acolhimento e afeto. Os funcionários dizem que não conseguem
conviver com as crianças por causa do sentimento de pena que os domina, muitos
acabam abandonando o trabalho porque dizem sofrer muito, pois não conseguem
conviver com a criança e seu histórico difícil.
Pearson (1986) aponta que outro aspecto é a culpa que é
acompanhada pela falta de valores. Algumas crianças dizem que não merecem ter
pais presentes porque provavelmente fizeram algo de errado e merecem ser
punidos. É uma culpa diferente da do adolescente que se afasta dos pais. O
abandonado tem um sentimento de culpa muito profundo, a criança se culpa por
estar vivo.
O ARQUÉTIPO DA MÃE
Jung (2000) afirma que o modelo materno está ligado com a
criatividade, ao acolher, fertilizar, sustentar, amar e também ao obscuro,
veneno e a morte. O modelo materno não esta organizado unicamente quando uma
mulher da à luz ou adota um bebê. A influência do modelo materno esta presente
quando a mulher e o homem vivem juntos o fertilizar, nutrir, acolher, devorar
ou aprisionar. Se ideias são geradas, são adotados valores de uma vida, se
sentimentos e pensamentos são alimentados, os projetos de vida são devorados
com o envenenamento de relações.
O que observamos é que as crianças que tiveram algum laço
afetivo com a mãe biológica ou uma pessoa que pudesse substituí-la por certo
tempo antes de serem abrigadas têm uma grande capacidade de adaptação do
ambiente do orfanato. Essas crianças se recusam a aceitar o orfanato como uma
família, sempre afirmam que não é a família. A criança sente a ausência da mãe,
mas não é observado a necessidade de alguém para substituí-la literalmente.
Como se a mãe estivesse sempre presente, assim, não existe a necessidade de por
alguém em seu lugar.
Porém, crianças que nunca tiveram um contato com uma mãe
ou com uma figura substituta conseguem criar em sua mente uma imagem de mãe
presente. Geralmente conseguem desenvolver com facilidade laços afetivos com as
chamadas mães sociais e mesmo sabendo que não é sua mãe biológica insistem em
chamá-la de mãe.
O ARQUÉTIPO DO PAI
Heinrich (1997) aponta que a função do pai é ensinar aos
filhos as leis da vida. E é com estes ensinamentos que os filhos irão desenvolver
suas aptidões para aceitar o mundo, para poder assim se organizar seu interior
e exterior.
O complexo paterno vai se construindo conforme a criança experimenta
a convivência com seu pai natural ou com alguém que possa desempenhar este
papel. E é nessa convivência com o outro que uma figura paterna irá ser
humanizada. As convivências com o modelo paterno se organizam em volta dessa
imagem que a criança cria internamente, aderindo a esta imagem, características
e problemáticas.
Se for o pai que repassa as leis da vida, é ele que também
estimula o filho para que experimente por conta própria, um pai que sonha de
mais não deve ser abandonado, porque não existe nada neste mundo que possa
justificar o afastamento.
O filho que possui um pai assustador geralmente possuirá
medo da vida. Em alguns casos como este haverá muito a experiência de fuga da
vida que somente a tornara mais difícil.
IRMÃOS,
AMIGOS
Além dos pais existem também os irmãos. O Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), exige que irmãos devam ficar juntos e não
separados. Porém, nem sempre essa lei é cumprida, pois não é difícil encontrar
irmão amparados juntos, morando com outros irmãos ou com filhos únicos em uma
mesma instituição. Viver a infância com os irmãos é de extrema importância para
o desenvolvimento da psique, pois se
experiência um encontro distinto do relacionamento vivido com os pais.
Downing (1991) diz que no orfanato, a criança tendo o
irmão próximo, terá uma chance a mais para permanecer uma lembrança familiar,
quem sabe seja a única coisa que resistiu de um mundo que até naquele instante
era o seu mundo. Se os irmãos permanecerem juntos, terão mais chance de se
ajustar ao novo ambiente, pois quando a dor é compartilhada ela diminui.
Mantendo os irmãos unidos mantêm-se viva a memória familiar.
Geralmente a criança mais velha relata acontecimentos para
o irmão mais novo sobre a história familiar, como era os pais, o que aconteceu,
algo sobre os tios e o restante dos parentes. Conversando entre irmãos, fatos
do passado são recuperados e ambos conseguem manter vivas as origens.
Para as crianças analisadas no orfanato parece ficar claro
a distinção entre quem é e quem não é o irmão. Mas também fica visível que os
laços fraternos não são estabelecidos unicamente entre os irmãos de sangue. A
experiência vivida no orfanato permite a união de laços afetivos muito fortes,
onde o irmão e o amigo podem compartilhar o mesmo grau de familiaridade.
Essa pode ser uma das possíveis saídas para os irmãos que
estão tendo a experiência do orfanato como abrigo. São estabelecidos e
compartilhados sentimentos sobre a sensação de serem todos os irmãos. O
sentimentalismo familiar é mantido e o sentimento de separação e solidão pode
ser enfrentado e superado.
O REGIME DO ORFANATO
ECA (1990) aponta que o modelo de atendimento em regime de
orfanato surgiu na Europa, aproximadamente no ano de 1949, no pós-segunda
guerra, com muitas crianças que ficaram órfãs e as mulheres que perderam seus
filhos e os maridos na guerra. Diante dessa condição, o pedagogo Hermann
Gmeiner passou a reunir as mulheres e as crianças que foram separadas de suas
famílias, criando assim um lar que pudesse substituir o antigo. E foi assim que
surgiram as aldeias SOS’s. As tais aldeias foram formadas por casas que acolhiam
crianças e mulheres órfãs e estas eram criadas por outras mulheres ou podemos
chamar de mães substitutas.
Podemos definir o orfanato como sendo uma unidade de
abrigo de caráter passageiro, pois a criança irá permanecer até que o Juizado
da Infância e Juventude decida o seu destino. O orfanato deseja ofertar a
criança um ambiente semelhante ao das famílias convencionais, oferecendo assim
propostas de desenvolvimento para poder garantir os direitos da criança.
Os orfanatos são sustentados por organizações não
governamentais, registrados no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente. O referido Conselho repassa o registro ao Conselho Tutelar e a
autoridade judiciária da respectiva localidade. Somente é fornecido o registro
para as instituições que apresentem instalações físicas e condições de
acomodação, que sejam regularmente construídas, que exponham um plano de
trabalho coexistente com os princípios legislativos e que o quadro de funcionários
seja formado por pessoas competentes e idôneas.
Os funcionários que são destinados a tarefas para auxiliar
no desenvolvimento do orfanato são chamados de pais sociais. Estes devem ser
competentes e orientados para que não desobedeçam as leis, principalmente no
item que afirma que nenhuma criança ou adolescente possa ser maltratada
descriminada, explorada, violentada ou sofrer algum tipo de crueldade ou
imposição.
COMENTÁRIOS FINAIS
O orfanato é mais um caminho e não um fim. É uma acolhida
para a criança que sofreu a separação familiar e um estimulo para retornar para
uma nova fase da vida. A criança pode passar pela instituição e sair com um
tesouro que poderá nutri-la e a sua nova família. Esse tesouro que a criança
poderá levar do orfanato é fundamentalmente a habilidade de lidar com os
acontecimentos de sua vida de forma exemplar, acatando assim a vida paradoxal
de que as coisas, os acontecimentos podem ser um veneno e um remédio.
Podemos ver o orfanato como um mal suave e a fase do
abrigamento uma doce ferida, que dói, mas também nutre. As marcantes lembranças
podem ter surgido de duras batalhas ou de aprendizado e amor.
Ouvir as crianças abrigadas é um dos primeiros passos para
que o tesouro seja descoberto. Mas primeiramente devemos ouvir a criança que
mora dentro de cada um. Não é uma tarefa fácil, talvez seja tão complexa quanto
acolher uma criança abandonada sem considerá-la como vitima, alvo de pena.
Devemos levar o psicólogo para o interior do orfanato.
Apresentar caminhos de reconhecimento das figuras exemplares que ali moram e
convivem no seu dia a dia com o ambiente institucional. Recuperar o humanismo
dos moradores. Aceitar que os erros e acertos nos ajudam a crescer.
A vida ensina que a mãe é uma figura que surge nos sonhos,
que esta dentro e não fora da nossa vida. Será que somente isso é o suficiente?
Se fosse não existiria um desejo enorme em ter uma família. As crianças, sem
exceção expõe seu desejo de ir embora, ser adotado, voltar para uma família,
seja ela biológica ou substituta. Querem sair de uma vida provisória para poder
encontrar um infinito amor nos braços de uma família. Nem a mãe substituta e
nem ninguém no orfanato poderão oferecer isso.
A reflexão psicológica que quero estabelecer para que os
leitores deste artigo possam refletir é que a mãe, o pai e a criança formam um
ambiente familiar. Mas o orfanato e as crianças que ali vivem e que são de
diferentes origens, e ficam juntas por um tempo considerável formam uma
família?
Caros leitores, concluo com esta questão e espero que a
reflexão fosse realizada e a resposta desta pergunta espero que cada um tenha
respondido em seu interior.
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